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O Princípio Superconstitucional Anticorrupção e a Teoria da Ação em David Hume

Atualizado: 29 de mar.


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Referência para Citação (APA)

Filho, C. I. (2025, January 28). O Princípio Superconstitucional Anticorrupção e a Teoria da Ação em David Hume. EBS I&D Centre. www.ebscentre.org 


Resumo


Este artigo examina a interseção entre o princípio superconstitucional anticorrupção e a teoria da ação de David Hume apresentada em A Treatise of Human Nature (Livro 3). Argumenta-se que a abordagem de Hume sobre o comportamento humano, centrada nas paixões e estados mentais como causas predominantes das ações, oferece uma perspectiva relevante para a compreensão das raízes comportamentais da corrupção e para a formulação de estratégias normativas eficazes. A subordinação da razão às paixões em Hume é contrastada com a necessidade de um princípio superconstitucional que transcenda os limites jurídicos tradicionais, priorizando reformas institucionais e culturais. Conclui-se que o reconhecimento da dimensão emocional das ações humanas é essencial para combater eficientemente a corrupção em sociedades modernas.


Palavras-chave: princípio superconstitucional anticorrupção, David Hume, paixões, razão, comportamento humano, corrupção.



Introdução


A corrupção tem sido uma preocupação central para sociedades democráticas devido à sua capacidade de minar as instituições públicas e enfraquecer a confiança cívica. O princípio superconstitucional anticorrupção busca estabelecer uma norma fundamental que transcenda os limites das legislações nacionais, promovendo reformas profundas em níveis institucionais e culturais (Ferrajoli, 2001). Por outro lado, David Hume, em sua magnificente obra A Treatise of Human Nature, propõe uma teoria revolucionária da ação, argumentando que as ações humanas são predominantemente governadas pelas paixões, e não pela razão (Hume, 1739/2000). Esta visão desmistifica a ideia de que a moralidade é essencialmente racional, enfatizando as influências emocionais e psicológicas.

A interseção entre esses dois temas é fundamental para compreender como as instituições podem abordar as causas subjacentes da corrupção. Este artigo explora como a teoria da ação de Hume pode iluminar aspectos comportamentais relacionados à corrupção e como o princípio anticorrupção pode integrar essas compreensões para fortalecer sistemas normativos.

 

A Teoria da Ação em Hume


David Hume, em sua análise das ações humanas, rejeita a ideia de uma conexão necessária entre ações e agentes moralmente responsáveis, propondo que as ações decorrem de estados mentais e paixões, enquanto a razão desempenha um papel secundário (Hume, 1739/2000). Para Hume, “a razão é e deve ser escrava das paixões”, indicando que as emoções, como o desejo e o medo, são os principais motivadores do comportamento humano. Essa perspectiva desvia-se de visões clássicas que colocam a razão como elemento regulador do comportamento moral.

Complementarmente, a obra de Annette Baier (1991), A Progress of Sentiments: Reflections on Hume's Treatise, oferece uma análise detalhada sobre como Hume posiciona as paixões como elementos centrais da vida moral e social. Baier destaca que as paixões não apenas influenciam ações individuais, mas também moldam as relações interpessoais e institucionais. Essa compreensão é essencial para abordar fenômenos como a corrupção, que frequentemente emerge de dinâmicas emocionais e sociais complexas.

Ademais, a interpretação de Hume sobre a moralidade também pode ser contextualizada pela obra de MacIntyre (2007), After Virtue: A Study in Moral Theory, que contrasta tradições morais racionais com abordagens baseadas em virtudes e sentimentos. Essa perspectiva reforça a ideia de que normas anticorrupção devem considerar fatores emocionais e culturais que influenciam o comportamento humano.

 

O Princípio Superconstitucional Anticorrupção e Possíveis Soluções

 

O princípio superconstitucional anticorrupção, como discutido por Ferrajoli (2001), é uma tentativa de estabelecer uma norma de hierarquia superior que funcione como base para a erradicação da corrupção. Este princípio transcende as normas constitucionais tradicionais, promovendo reformas estruturais que abarcam aspectos culturais, institucionais e sociais. Sua implementação requer não apenas soluções legais, mas também uma compreensão profunda dos fatores humanos que facilitam a corrupção.

A teoria de Hume é pertinente aqui porque enfatiza que as reformas anticorrupção devem levar em conta as paixões humanas. Políticas que ignoram as motivações emocionais e psicológicas estão condenadas ao fracasso. Por exemplo, mecanismos que incentivam a transparência ou criam barreiras à corrupção devem ser projetados para mitigar os impulsos emocionais que levam os indivíduos a comportamentos corruptos.

Nessa linha, estudiosos como Rose-Ackerman (1999), em Corruption and Government: Causes, Consequences, and Reform, discutem como estruturas institucionais devem alinhar incentivos para reduzir comportamentos corruptos, reconhecendo os aspectos emocionais e racionais que impulsionam tais ações. Essa abordagem complementa a visão de Hume ao integrar perspectivas psicológicas e institucionais na formulação de políticas anticorrupção.

Nestes termos, do ponto de vista teórico, a corrupção pode ser entendida como um fenômeno sustentado por motivações emocionais, como ganância, medo ou lealdade a redes informais de poder. Em face ao que for a argumentado por Hume, que a razão sozinha é incapaz de gerar ação ou evitar comportamentos corruptos; ela pode apenas orientar os meios para alcançar fins ditados pelas paixões. Isso sugere que combater a corrupção não pode depender exclusivamente de argumentos racionais, como leis mais rigorosas ou sistemas de controle, mas deve considerar também as emoções que movem os indivíduos e os grupos envolvidos.

No aspecto prático, estratégias anticorrupção eficazes precisam engajar as paixões de forma construtiva. Isso pode incluir a promoção de valores éticos e morais, como o senso de justiça e a lealdade à coletividade, que inspirem orgulho e propósito nos indivíduos dentro das instituições públicas e privadas. Além disso, campanhas de sensibilização podem usar narrativas emocionais para destacar os impactos devastadores da corrupção na sociedade, mobilizando a indignação e o desejo de mudança.

Outro elemento prático seria o desenho de incentivos que alinhem interesses individuais com o bem público. Por exemplo, sistemas de recompensa por denúncia de práticas corruptas ou o fortalecimento de culturas organizacionais baseadas em integridade podem explorar as motivações emocionais dos agentes para reforçar comportamentos éticos.

 

Conclusão


O princípio superconstitucional anticorrupção oferece uma base normativa robusta para enfrentar a corrupção, mas sua eficácia depende de uma compreensão profunda do comportamento humano. A teoria da ação de David Hume fornece insights valiosos sobre as motivações emocionais que influenciam as ações humanas, sugerindo que a razão, sozinha, é insuficiente para conter comportamentos corruptos. Reformas institucionais e normativas devem incorporar essa compreensão para criar sistemas mais resilientes e eficazes no combate à corrupção.

Desta forma, ao aplicar a teoria da ação de Hume, é possível criar uma abordagem mais holística no combate à corrupção, que leve em conta tanto os aspectos racionais quanto emocionais da natureza humana, promovendo reformas institucionais que vão além da repressão e focam na transformação cultural e comportamental da sociedade civil como um todo.

 

Referências


Baier, A. (1991). A Progress of Sentiments: Reflections on Hume's Treatise. Cambridge: Harvard University Press.

Ferrajoli, L. (2001). Direitos e garantias fundamentais: a constituição do direito na sociedade moderna. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

Hume, D. (2000). A Treatise of Human Nature (original de 1739). Oxford: Oxford University Press.

MacIntyre, A. (2007). After Virtue: A Study in Moral Theory. Notre Dame: University of Notre Dame Press.

Rose-Ackerman, S. (1999). Corruption and Government: Causes, Consequences, and Reform. Cambridge: Cambridge University Press.

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